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Do mito alegórico à razão objetiva

Para entender a transição do mito à razão, da mitologia à filosofia, é necessário buscar a origem do mito, de seu significado simbólico como sendo a tradição adâmica (tradição primitiva) codificada (e até deturpada) em forma de alegoria, entendendo assim, que o movimento filosófico se constitui uma tentativa de reconexão objetiva com tal tradição (por isso a busca pela origem nos pré-socráticos através das questões fundamentais).
Com o desenvolvimento humano a busca pela origem aparentemente perdida (e por consequência o significado das coisas) foi migrando de algo alegórico para algo racional, ou seja, a forma de enxergar a causa, o mundo e o futuro amadureceu assim como uma criança que amadurece ao crescer; portanto o mito não deve ser desprezado, mas transfigurado em razão, ou seja, a inocência primeva deve transfigurar-se em integridade madura.
A alegoria do mito como uma representação subjetiva da tradição primeira (que era lógica e objetiva) satisfez por um tempo, mas, com o desenvolvimento humano, nasceu a tentativa madura (isto é filosófica) de através da razão chegar ao conhecimento real, de forma objetiva.
 
A Origem: o estudo do Gênesis
 
 בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים אֵת הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ (Bereshit bara Elohim et hashamayim ve’et ha’aretz) – “No princípio criou Deus os céus e a terra”
A Criação do Mundo – Jan Brueghel Pintor flamengo (1568-1625)
Os historiadores dizem que a filosofia propriamente dita só surgiu em meados do século VIII e VI a. C., porém todos são unânimes em afirmar que as verdades mais simples que a filosofia iria estudar em séculos futuros já eram conhecidas muito antes do século VIII a.C. Tais conhecimentos não derivam apenas do senso comum (como afirmam alguns), mas remontam a uma tradição primeira, comum a todos os povos.
A Tradição Primitiva seria comum a todos os ramos da humanidade explicando assim a semelhança entre as mitologias, os significados, os conceitos de organização social dos povos primitivos, seus cultos, suas construções (piramidais), explicando assim o mistério da ciência dos faraós e de outros povos antigos bem como a conexão destas com o que foi encontrado nas Américas em 1500, etc. Portanto, tal tradição remontaria até a criação do homem e explicaria sua origem para que ele possa entender seu início, decifrar quem ele é e vislumbrar seu destino (futuro).
 
A tradição Adâmica
Moisés por Gustave Doré (O povo Judeu, por causa dos profetas, conservou a tradição adâmica até a vinda do Messias – Nosso Senhor Jesus Cristo)
Afirmam os teólogos que Adão (ādām – םדא ) foi o primeiro homem e Eva (Εὔα – חוה ) a primeira mulher, ou seja, do
“saído da terra” (Adão) e “da que vive” (Eva) surgiu a tradição primeira bem como todos os povos.
O primeiro homem (Adão), portanto teria recebido de Deus ao mesmo tempo o ser e a ciência, e pela educação de seus descendentes transmitiu os seus conhecimentos recebidos diretamente de Deus (Ciência infusa). 
Depois do pecado Adão  perdeu tal dom, mas não a memória destes conhecimentos e foi isso que ele ensinou a Eva e a seus descendentes 
(a tradição também nos ensina que Deus enviou anjos para ajudarem o primeiro casal após a saída do paraíso). Entretanto essas verdades não foram conservadas integralmente.  Pela deficiência do pecado original e a tendência para as más inclinações perdeu-se a capacidade de conversar integramente tais conhecimentos e aos poucos ou rapidamente (não sabemos com exatidão o tempo) a tradição adâmica foi sofrendo alterações: falta de memória, imaginação destorcida, adequação da tradição ao estilo de vida, relativização da verdade (feita pelos descendentes de Caim), etc.
O mito e a linguagem simbólica (alegórica)
 
Deste esquecimento e decadência da tradição primitiva (inicia-se aqui, portanto o período pós-diluviano que é justamente o ponto de partida, tido como o “inicio” nos livros de história), surgiu o mito que nada mais é que uma tentativa de reconexão com essa nossa origem e tradição remota (período antes do Dilúvio). Ora, sem a clareza da ciência infusa, o ser humano usou o artifício do simbolismo para expressar as realidades divinas e então tentar explicar de maneira razoável o “porquê” das coisas, até porque o discurso histórico-poético é mais fácil de lembrar e transmitir do que o discurso dialético-científico.
Mitologia Suméria: Os Anunnaki ensinando o homem a cultivar
Do mito, portanto surgiu a mitologia que nada mais é do que o estudo das lendas (mito) e a interpretação das mesmas formando assim a cultura de um povo. O mito é um relato simbólico e fantástico a respeito de nossa origem remota e de nossa tradição primeira que explicaria o “porquê” das coisas.
 
Desenvolvimento humano: condições históricas para o surgimento da Filosofia
 
O “milagre grego” deu-se por alguns fatores que ajudaram a converter o modo como os gregos viviam, fazendo com que se cria-se as condições necessárias para o despertar racional (por isso o homem busca uma situação terrena livre de limitações, para poder criar as condições que perdemos no paraíso terrestre e assim dedicar-se ao que é mais sublime em nossa natureza: O espírito (razão intelectiva e dever factual). 
Tais condições para superar as limitações foram: o surgimento da escrita (memória externa), da moeda (base de trocas), do calendário (orientação temporal), da vida pública (relação entre individualidade e governo), mas principalmente do comércio (trocas de bens), das navegações (exploração geográfica) e da diversidade cultural (A ciência egípcia teve uma influência gigantesca no despertar racional dos gregos).
Matemática egípcia: Papiro de Rhind (Em1650 a.C., um escriba egípcio de nome Ahmes detalha a solução de 85 problemasde aritmética, frações, cálculo de áreas, volumes, progressões, repartições proporcionais, regra de três simples, equações lineares, trigonometria básica e geometria. É um dos mais famosos antigos documentos matemáticos que chegaram aos dias de hoje)
Pela investigação da natureza, a produção de conhecimento e principalmente pelo espanto (admiração) pela diversidade notou-se que as diferenças existiam e que, portanto os mitos eram diferentes (não podendo ser tidos como verdade objetiva), mas que haveria um ponto de conexão entre nós, ou seja, a causa/origem ( Arché – ἀρχή ) da ordem (cosmos – κόσμος) de tal variedade conceitual e factual.
 
Do mito à razão
 
Percebeu-se que a realidade terrena era organizada e que, portanto teria de haver uma razão (Logos – λόγος) para tal ordem (cosmos – κόσμος) e é justamente pela busca da origem (Arché – ἀρχή) da ordem do universo (cosmos – κόσμος) que os pré-socráticos deram inicio à investigação filosófica, primeiramente achando que a causa (Arché – ἀρχή) do universo (cosmos), portanto a razão (Logos – λόγος) pelo qual tudo é ordenado (cosmos – κόσμος) seria algo material; só mais tarde que se percebeu a imaterialidade de tal razão originária e apenas com o Cristianismo a essência de tal Razão (que é o Logos Divino, a Razão Divina, o Verbo Divino. A Razão que é a origem de toda razão). 
Aristóteles ao tratar da causa primeira percebeu que ela não se trata apenas de um conceito mas de uma Realidade. O conceito universal e a individualidade do ser encontra-se na causa primeira que é a perfeição do universal (Conhecimento) sendo também uma individualidade (Ser).
Simbolismo e Realidade (Do subjetivo ao objetivo)
Representação da ordem vista pela razão em sua origem
O simbolismo alegórico do mito e razão objetiva da realidade possuem, portanto algo em comum que é a busca pela Razão Suprema, a causa originária de tudo quanto existe que nos daria o entendimento exato de tudo quanto há em nossa vida terrena e supra terrena, ou seja, qual nossa origem, quem nós somos e para onde vamos, em outras palavras qual a causa e a origem das coisas, o que as coisas são de fato e qual a finalidade delas e a relação entre elas (nexo causal).
Desta forma é necessário filtrar o mito e entender suas entranhas da qual a filosofia saiu, pois toda a filosofia de certa forma está contida no mito (é o espírito homérico que de certa forma influenciou não só a filosofia, mas todo o mundo grego).
Neste sentido o mito deve ser encarado como o imaginário que expande a nossa consciência para entender a realidade e a razão a capacidade de definir tal realidade em algo conceitual a nós mesmos e por vezes até discursiva para ser repassada a outros pela palavra.
Revisitar o mito para entender a alegoria usada entre os diferentes povos e tentar chegar a um denominador comum (tentar entender e reconstruir a tradição primitiva) seria algo intrigante e útil para a investigação filosófica, porém tomá-la como referencial objetivo seria um absurdo.
Neste sentido o gênesis (versão católica) possui superioridade histórica por ser o relato mais racional e objetivo dentro dos contextos históricos em que está inserido.
Referências:
 
  • MARITAIN, Jacques. Elementos De Filosofia: Introdução Geral À Filosofia. 4 Ed. Rio De Janeiro: Agir,1956.
  • ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • REALE, G.;ANTISERI, D. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
  • COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2006.
  • FILHO, I.G.M. Manual Esquemático de História da Filosofia. 3 ed. São Paulo: LTr, 2004.
  • FARAH, Leonardo de Castro. As Relações Míticas entre: Adão e os Mitos da Antiga Mesopotâmia. Revista CientíficaMultidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed.10, Vol. 07, pp. 147-160. Outubro de 2019.
  • SIRE, J.W. O Universo ao Lado. 5. ed. Brasília, DF: Monergismo, 2009.