Há certas figuras tão marcantes em nossas vidas, que é impossível esquecê-las. Elas se interiorizam em nós, e de algum modo, se tornam parte daquilo que somos. Este é o poder que estas figuras possuem, ou melhor, certas imagens que atingem o fundo de nossa alma. Ora, essas imagens se tornam marcos em nossas vidas, símbolos de referência. O ser humano é guiado pelos símbolos e estes por sua vez não possuem apenas mero papel estético, mas moral, na formação e direção da conduta humana. As imagens influenciam diretamente o hábito, porque movem as paixões através de sua força de razão. Por isso podemos afirmar que não há símbolo maior a um homem do que outro homem.
É sobre um desses símbolos que nos transportam a tempos e valores mais altos que o nosso artigo tratará: sobre o “Cavaleiro do Credo” de Emmanuel Frémiet.
Nesta figura a arte e a fé verdadeira se conjugam de maneira perfeita. A figura do cavaleiro medieval é uma das mais poderosas e simbólicas representações da Idade Média, unindo fé, coragem e o dever moral de defender os princípios cristãos. No período medieval, os cavaleiros eram homens de grande devoção, guiados pela Fé, pelos seus nobres sentimentos e pelo compromisso de proteger a religião. Esses valores fundamentais da cavalaria medieval, que marcaram profundamente a cultura europeia, foram imortalizados por artistas como Emmanuel Frémiet, cuja obra “Cavaleiro do Credo” é uma das representações mais profundas do alto ideal do cavaleiro cristão.
Ao contrário do que muitos possam imaginar, o cavaleiro não era apenas um guerreiro armado, mas um defensor fervoroso da Igreja e da fé cristã. A característica que mais destacou o cavaleiro na história foi a Fé. A coragem demonstrada por esses homens nas batalhas mais terríveis, como as Cruzadas e as lutas pela reconquista da Península Ibérica, era impulsionada pelo desejo de libertar o Santo Sepulcro e defender as populações cristãs.
O cavaleiro medieval não era apenas um homem de ação, mas também um homem de cultura. Eles edificavam fortificações, castelos e catedrais, e contribuíram para o refinamento da vida medieval, promovendo a arte, a arquitetura, e até mesmo a gastronomia e o artesanato. Mesmo sendo batalhadores, os cavaleiros cultivaram a afabilidade e a beleza nas cortes europeias, influenciando o desenvolvimento da civilização católica.
Esse triplo vértice, entre a força guerreira, a cultura e a fé, está no cerne do cavaleiro medieval, e é essa figura simbólica, nobre e distinta, que Emmanuel Frémiet escolheu para representar em sua famosa escultura.

A figura do Cavaleiro do Credo
Emmanuel Frémiet (1824-1910) foi um dos mais importantes escultores franceses do século XIX, reconhecido por suas estátuas de figuras históricas e religiosas, como sua célebre escultura de Joana d’Arc a cavalo na Place des Pyramides, em Paris, e a imponente estátua de São Miguel no Monte Saint-Michel.
O “Cavaleiro do Credo”, criado por Frémiet e apresentada oficialmente no Salão de Paris em 1889 foi exposto em gesso policromado e posteriormente fundido em bronze. Foi uma de suas esculturas mais significativas e populares, tornando-se rapidamente um sucesso, vendendo 112 cópias nos primeiros 27 meses após sua exibição. O modelo original foi fundido pelo atelier de Charles More, e mais tarde por Barbedienne, sendo distribuído amplamente e apreciado por colecionadores de arte.
Retrata um cavaleiro medieval em trajes de batalha, segurando um estandarte com a inscrição “Credo”, o título da oração que contém os mistérios da fé.

A peça é um exemplo notável da habilidade técnica de Frémiet, com uma atenção minuciosa aos detalhes da armadura e da expressão facial do cavaleiro (que aliás é seu próprio rosto), que transmite resolução e força espiritual. O bronze prateado, com uma pátina envelhecida, adiciona profundidade e caráter à peça. Frémiet explicou que a inspiração para a obra surgiu de um momento pessoal de intensa fé, quando, em oração, sentiu-se movido a expressar sua fé católica de forma fervorosa: “Philippe Fauré-Frémiet conta que em 15 de agosto de 1910, 25 dias antes de sua morte, quando Frémiet tinha 86 anos, ele confidenciou aos seus entes queridos:
‘Acredito num Ser formidável, num Mestre incompreensível que cria a Natureza e regula as suas leis como lhe agrada. Agora este Ser, eu o senti, o toquei, orei a Ele durante toda a minha vida.
Quando eu estava me preparando para minha primeira comunhão, na Igreja de Saint-Eustache, eu O conheci pela primeira vez. Eu era Dele, e me perguntava se teria a força de ser um mártir…
Foi especialmente aos quarenta anos, nas minhas lutas mais terríveis para criar minhas grandes estátuas, que toquei esse Ser. Eu estava sozinho em meu ateliê com o modelo, o dia inteiro, aturdido, tenso até o ponto de me quebrar para compreender e captar a natureza. Ele estava ali, ao meu redor. Eu tremia com esse contato… Trabalhei sem descanso, buscando, durante a noite, elevar-me ainda mais em pensamento para a obra do dia, rezando todas as manhãs e todas as noites.
Eu Lhe pedia a força para cumprir meu dever, para não fraquejar no meu trabalho, para não sucumbir em meio a tantas provações. Muitas vezes, eu recebia conselhos admiráveis. Um pensamento me vinha, e eu sentia que deveria obedecer a ele. Recentemente, ainda recebi vários conselhos. Sempre rezei a Ele…
Uma noite, em meu ateliê, soube de repente, por uma carta de um amigo, que uma das minhas orações mais fervorosas havia sido atendida: tomado de enlevo e gratidão, encontrei-me de pé, com a cabeça baixa, os braços em cruz, estendidos; murmurei toda a minha fé. Neste momento esculpi meu ‘Credo’ como testemunho.’” explicou Frémiet ao discutir a criação de uma pequena estatueta, que estreou em Antuérpia em 1885.

Sua alma profundamente católica soube plasmar em suas obras a verdadeira fé:
“De todas as artes, a escultura é aquela onde o paganismo é mais fácil. Frémiet ali permaneceu cristão por sua maneira casta de conceber a forma com respeito ao decoro. Não se conhecem dele nudez desnecessária. Ele concebe a imagem do corpo humano com respeito à alma e com firme vontade de transmitir um significado moral. A isso ele adiciona um espírito de observação e misericórdia […] O Sr. Frémiet representa uma época que foi e que será.”
Tal elogio mostra que ele concebeu de dentro de sua catolicidade uma obra distinta, bela, régia e ao mesmo tempo tecnicamente impecável aos olhos estéticos.

Isto se dá ao mérito que “O ‘Credo’ é o sinal daquilo que foi verdadeiro em todos os tempos, apesar dos poetas e filósofos que ignoraram Cristo. Ele afirma aos nossos olhos e ao nosso espírito moderno a arte muito significativa de um artista cuja atenção está voltada mais para o Calvário do que para a tentação na montanha. Com o autor do ‘Credo’, estamos mais distantes desses poetas e filósofos ignorantes de Cristo do que do Gólgota, onde Cristo morreu pelos pecados dos filósofos. A arte do ‘Credo’ não é de modo algum a arte demoníaca que inspira, por exemplo, as valsas envolventes de todos os Johann Strauss do mundo, e sacode, como um chapéu de bobo, os versos de cabaré do azarado Offenbach. Ela pertence à família artística do poeta fosforescente de Lohengrin (Richard Wagner), e é prima próxima da revelação direta do radiante Beethoven. É a arte de um artista batizado, que conservou, apesar do esterco do século, todas as graças de seu estado de cristão, e recebeu como recompensa a radiante faculdade de introduzi-las nas obras de suas mãos e de seu espírito.”
Essa crítica é muito bem ponderada porque segundo Otto Maria Carpeaux, Offenbach que era inspirador de Johann Strauss, regeu o cancã que as plateias dançavam, sendo um participante embriagado e espectador cínico das orgias… além disso se referindo a este período, mais especificamente na música, ponderou algo que se aplica a todos os lugares e épocas “Essa classe não conhece a arte senão como divertimento e ostentação.”

Ora, a luta do Bem contra o mal não se dá apenas no campo ideológico, mas também no campo tendencial, ou seja, no campo simbólico, no reduto das artes.
Neste sentido, o “Cavaleiro do Credo” não é apenas uma figura histórica representada em escultura, mas, a própria essência do espírito cristão, o guerreiro da fé que defende os valores morais e religiosos em oposição aos valores da Revolução. Há nesta escultura uma forte carga simbólica. A figura do cavaleiro evoca a defesa da pátria-cristã, principalmente em tempos de crise. A obra representa o homem iluminado e sobrenaturalizado, que inspira a nação e o povo através da força da fé. Para muitos, o “Cavaleiro do Credo” simbolizou o renascimento espiritual da França, a filha primogênita da Santa Igreja: “Em certa medida, pode-se assegurar que o Sr. Frémiet não tem a aparência de um servil contemporâneo da França atual. Sua arte não se aplica como a impressão de uma moldagem sobre o delírio e a inconsciência em curso. No entanto, esta forma de arte não é de outro lugar, e o pensamento que nela se observa é bem o pensamento que marca, através dos séculos, o espírito público deste país, quando verdadeiramente se possui ele. Sr. Frémiet é um contemporâneo do verdadeiro espírito da França, sua arte é a de um povo dotado do sentido superior da liberdade moral. Esta arte, nascida hoje, sem estar com o carimbo de hoje, fala de ontem e profetiza o amanhã. Ela data de um tempo em que a vontade clarividente tinha e teria reconquistado seu lugar na ordem dos fenômenos ativos da consciência, onde a moral será algo além de uma física dos costumes, onde a personalidade será libertada dos vícios físicos do corpo.”
Além de seu significado espiritual, também conquistou os apreciadores da arte por sua maestria técnica. Frémiet capturou com precisão a textura da armadura do cavaleiro, as dobras de suas vestes e a expressão de firmeza em seu rosto. A escultura foi fundida em diferentes tamanhos. Até hoje as réplicas são vendidas em leilões de prestígio como Christie’s e Sotheby’s, atingindo altas cifras e continua sendo altamente desejada por colecionadores, tanto por sua beleza estética quanto por seu profundo simbolismo.
