Natal Tempo de paz ou de guerra?

Na manjedoura do presépio se encontra um menino que é para todos, símbolo de contradição. Como poderia um Deus se encarnar em algo tão frágil? O Criador das potências cósmicas, sujeito a contingência de suas próprias criaturas? Mais ainda, o menino que nasceu para reestabelecer a ordem da graça e da paz, promovendo a guerra como Ele mesmo o diz “Não vim trazer paz, mas a espada” (Mt. 10:34) ?
Meditar sobre o recém-nascido que se encontra na manjedoura pode dar-nos a resposta às convulsões em que nosso século está imergindo.
A Briga de irmãos
"Deus aceita a oferta de Abel " Por Mariotto Albertinelli - Pintor italiano da alta renascença (1454-1515)
Em maior ou menor grau todos nós somos irmãos. Todo aquele que possui a natureza humana o possui porque ela foi transmitida. Ora, essa transmissão é justamente o vinculo de paternidade e filiação. Todos nós carregamos em nossa natureza a soma de todos os nossos antepassados; desse modo, em maior ou menor grau, todos somos irmãos pela filiação por que esta provém da mesma paternidade.
Vemos logo depois da perda da Justiça original, a narrativa de um fato que é uma das mais trágicas consequências do pecado original: a guerra.
Mal saiu o homem e a mulher do paraíso, Caim mata seu irmão Abel. O primeiro simboliza o mal e o segundo o Bem. Esse fato ocorrido entre os irmãos já é o embate da guerra justa posta por Deus entre os filhos da Mulher e os da serpente (Gen. 3:15).
A triste consequência do Pecado original é a de, numa mesma família, com a mesma formação, o mesmo lar, etc., nascerem duas escolhas no coração dos homens: pertencer à raça da mulher ou se tornar vil e pertencer à raça da serpente. A escolha definirá o coração.
Essa diferença de corações, de espírito, de mentalidade, de proceder é a causa da guerra.
Vemos continuamente os irmãos entrarem em guerra, povos de mesma origem brigando por terem concepções diferentes: Abel contra Caim, judeus contra árabes, ucranianos contra russos, taiwanês contra chineses, etc.
Mas por quê? Será que há razões que justifiquem a guerra?
Paz autêntica e a falsa paz dos acordos diplomáticos
Há motivos para a guerra lícita e justa, como também motivos para se evitar a guerra. Uma guerra deve ser evitada a todo custo, entretanto há situações que ela se torna inevitável.
A guerra é lícita quando o bem deve ser defendido e o mal deve ser esmagado. Discernir o bem a se preservar numa guerra pode se tornar algo difícil quando os discursos ambíguos puxam a interpretação dos “lados” para o nível subjetivo. Do mesmo modo, os acordos diplomáticos são falsas promessas de paz uma vez que não se baseiam na unidade dos espíritos e das consciências nos valores eternos, mas em interesses que quase sempre são o início e a causa de quase todas as guerras ilícitas.
A história ratifica nossa afirmação; por exemplo, os acordos de Munique (1938) que, na tentativa de uma falsa paz, os países envolvidos venderam-se com diplomacias, especialmente Chamberlain (primeiro ministro do Reino Unido na época) a ponto de Winston Churchill dizer a seu respeito quanto a este “acordo”: “Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra”. Vale lembrar que em 10 de maio de 1940, Chamberlain renunciou ao cargo de primeiro-ministro, sendo substituído por Winston Churchill.
Os homens querem poder, dinheiro, fama, reinos, terras, prestígios… Encontramos a raiz da guerra ilícita: os sete vícios capitais.
A soberba de ser o primeiro, a avareza de tudo possuir, a luxúria de tudo gozar, a ira contra aquilo que nos corrige, a inveja contra aquilo que deveríamos admirar, a gula de tudo abarcar e a preguiça no querer ser sempre servido, sem nunca servir, são os motivos de todas as guerras ilícitas.
Na maior parte das vezes, os acordos diplomáticos internacionais atrasam a guerra, criam uma falsa atmosfera de paz e uma falsa expectativa de unidade. A paz autêntica não está nisso, mas no oposto disso.
Chamberlain (à direita) e Winston churchill (à Esquerda). Na foto ao lado está Chamberlain e Hitler.
A causa da guerra justa é precisamente defender os princípios da verdadeira paz. Aprende-se a lutar, não para lutar, mas para defender-se. As nações possuem exércitos não para se aniquilarem umas as outras, mas para demonstrar sua soberania, sua honra.
Onde há honra, há gente preparada para a guerra justa e, onde há guerra justa, há verdadeira paz como fim. Tais homens sabem o porquê estão lutando e com certeza desejariam que todos tivessem e mantivessem seus bons princípios para não terem que entrar no morticínio que é toda a guerra independentemente se é licita ou não.
O princípio da paz é a guerra justa
A base do Bem é a conservação combativa das virtudes em relação aos vícios: A humildade de reconhecer seu lugar na ordem do universo, a generosidade de elevar os que mais têm necessidade, a castidade de cumprir o dever ao invés de entregar-se desenfreadamente às coisas funestas, a paciência com os defeitos alheios e as correções que precisamos fazer a nós mesmos, a caridade, isto é, o amor e a admiração pelos aspectos mais altos das coisas, a temperança de desejar o que lhe convêm e rejeitar os excessos que não lhe cabem e, por fim, a diligência em servir do que em ser servido.
Guerrear para manter o tesouro sagrado desses princípios é o início da paz verdadeira. Ora, nota-se que, sem lutar pela Santa Igreja, pelo ensinamento do Deus vivo, é impossível ter verdadeira paz, apenas acordos diplomáticos, analgésicos que adormecem, mas não curam.
O fim de toda a guerra justa é a verdadeira paz.
Natal: Tempo de paz ou de guerra?
Mas, o que tem a ver tudo isso com o natal? Ora, o natal é justamente a representação desse paradoxo! O mesmo menino frágil é o Deus forte, o mesmo que veio trazer a paz e a graça veio trazer a guerra aos que resolverem optar por serem filhos de satanás.
No natal o menino Jesus nos convida à verdadeira paz que é estar preparado para a guerra justa, para, lutando contra satanás e vencendo o mal, possamos conservar e fazer triunfar o Bem que há dentro de nós e em seguida na face da terra.
A guerra deve ser evitada a todo custo e a paz desejada a todo custo. Evita-se a guerra com uma mudança substancial ao Bem, conversão sincera e autêntica; deseja-se a paz a todo custo não fazendo acordos com os maus, mas confrontando-os nas tendências, ideias e fatos, buscando sua conversão substancial; Se, entretanto falhar os discursos humanos e a graça for rejeitada ao ponto do ódio deles desejar o aniquilamento do Bem, então, a guerra se torna inevitável.
A guerra deve ser o último artifício na espera de uma mudança substancial; se não ocorrer tal mudança a guerra se torna inevitável. Se os corações cederem realmente e não apenas verbalmente ao Bem, então a paz é alcançada sem guerras. Por isso é tão importante a graça e a boa educação. A educação humaniza e a graça angeliza. Os limites da tolerância estão nos limites da transgressão do sagrado.
Não iremos nos aprofundar na temática, mas em linhas gerais esses são os princípios centrais da guerra justa. Cabe ao leitor aplicar sua reflexão às notícias de seu tempo para verificar se os motivos foram lícitos ou não e a coerência entre as ações e os discursos dos embates de seu tempo…